Os antepassados eram escravos. Agora, eles recuperaram 220 mil hectares de terra


                                                                                            Nuno Ferreira Santos
 Segundo a Associação Brasileira de Quilombos, existem ainda seis mil quilombos no país legenda
     Lutaram durante 23 anos, sempre com medo de uma eventual expulsão a assombrar a comunidade. A vitória chegou este fim-de-semana.

Duas décadas depois de uma luta persistente, a comunidade da pequena localidade de Cachoeira de Porteira, no Brasil, teve razões para celebrar. Com uma população rural constituída por cerca de 500 habitantes descendentes de escravos, a comunidade viu finalmente reconhecidos os direitos territoriais de 220 mil hectares de floresta amazónica. O feito foi conquistado no último fim-de-semana.

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A comunidade de Cachoeira Porteira localiza-se a 950 quilómetros de Belém, capital do estado do Pará. Trata-se de um quilombo, nome atribuído às comunidades rurais formadas por descendentes de escravos africanos, transportados maioritariamente entre os séculos XVII e XVIII.

Era nestas localidades isoladas na floresta amazónica que os escravos — brutalmente explorados em fazendas e plantações — encontravam refúgio. A abolição da escravatura no Brasil só aconteceria em 1888. 

No entanto, apesar de a Constituição brasileira prever o reconhecimento dos direitos dos povos quilombos e indígenas sobre os territórios nos quais habitam — e mesmo com os esforços do antigo chefe do Executivo de Lula da Silva em 2003 tentarem acelerar e reforçar os direitos territoriais destas comunidades —, apenas 170 destes territórios viram os seus direitos assegurados. 

Os números são citados pelo presidente da Associação Nacional de Quilombos, Denildo “Biko” Rodrigues, que em declarações ao diário inglês The Guardian estima que existam actualmente cerca de seis mil quilombos no Brasil.

O reconhecimento oficializado durante o último fim-de-semana era uma luta antiga que se arrastava há 23 anos. Durante todo este tempo, o medo de uma eventual expulsão assombrou a população. "É muito mau viver desta maneira, sempre a pensar que a qualquer momento nos poderiam tirar daqui. 

Agora mudou tudo. Estamos com o contrato na mão. Estou muito feliz", partilhou o agricultor Manuel Santos ao jornal local Portal da Amazónia. "Era uma coisa em que muitas pessoas já não acreditavam ser possível", confessou um outro morador. 

O receio era justificado pelo interesse económico naquele território por parte de empresas de extracção de madeira, existindo ainda planos de construção de uma auto-estrada e até o de uma barragem hidroeléctrica. 

O antropólogo Emanuel Júnior, que participou no projecto de limitação geográfica de Cachoeira Porteira, destaca as vantagens da preservação destes territórios e protecção da sua população, lembrando que a comunidade vive em harmonia com o meio natural envolvente e que não existem actividades ambientalmente prejudiciais, uma vez que as principais ocupações são a agricultura e a pesca de subsistência. A população dispõe ainda de cinco casas de turismo rural, para quem queira conhecer a comunidade.

(Com Público)

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