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O rompimento de uma tubulação de um mineroduto em Santo Antônio do Grama, na região da Zona da Mata, em Minas Gerais, não pode ser tratada como uma surpresa pelas autoridades brasileiras, sobretudo pela postura recente do governo do Brasil quanto ao meio ambiente, segundo uma especialista ouvida pela Sputnik Brasil.

Na última segunda-feira, uma tubulação de rejeitos de minério de ferro (composto por 70% de minério e 30% de água) da empresa Anglo American se rompeu, lançando o material no leito do Ribeirão Santo Antônio, que passa pela cidade mineira, atingindo o Rio Casca, que abastece a população local. Ela é tida como a maior do gênero em todo o planeta.

À Sputnik Brasil, a coordenadora do programa Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro (foto), afirmou que acidentes como o registrado em Santo Antônio do Grama refletem a maneira com que o governo brasileiro e demais autoridades lidam com o meio ambiente, sobretudo quando envolvem o que ela chamou de "tragédias anunciadas".

"Acho que mais grave que a postura das empresas que vêm ao Brasil é uma iniciativa politica de flexibilizar a legislação ambiental brasileira, de facilitar o licenciamento ambiental e as regras legais para esses setores que exercer pressão junto aos governantes e principalmente ao Parlamento brasileiro. Tem sido muito fácil a essas empresas conseguir facilidades do governo brasileiro, e isso é que tem ampliado essas tragédias anunciadas que a gente vem apontando há muito tempo e infelizmente em um processo cada vez maior", disse.

Representantes de movimentos de defesa socioambiental do país, do Ministério Público e um grupo de parlamentares da Frente Ambientalista realizam ato na Câmara dos Deputados em protesto ao decreto que extinguiu a Renca.
                                                               
Para ela, a postura dos políticos brasileiros é o que justifica incidentes como o de Minas Gerais – o mesmo Estado em que o rompimento de uma barragem na cidade de Mariana, em 2015, matou 19 pessoas e afetou 39 cidades mineiras e do Espírito Santo –, já que as mesmas empresas estrangeiras não possuem facilidades ambientais para atuar em seus países.

"Acabamos de ter aprovado pela comunidade europeia que não se adquire produtos, recursos de matéria-prima ou qualquer commodity que tenha a preço de sangue escorrido de comunidades tradicionais e indígenas. Foi usado até esse termo na resolução. Há um boicote […] Não acho que seja deles a interferência [nas leis ambientais], que é muito mais dos governantes aqui do Brasil, que flexibilizam, ou de fora que eles tenham a postura de 'lá pode tudo'. Aqui é que as nossas autoridades, em vez de defender o interesse e o patrimônio do Brasil, têm aberto tudo. Provavelmente oferecendo vantagens", opinou.

Em Barcarena (PA), a gigante norueguesa Hydro foi flagrada neste ano com mais de um duto irregular que despejava rejeitos tóxicos nos rios da região, utilizados pelas comunidades ribeirinhas locais. A atividade das empresas de mineração é reconhecidamente "de impacto e alto risco", de acordo com Malu Ribeiro, mas para ela o Brasil não atua em defesa dos interesses nacionais.

"Há uma cultura política velha que coloca o impedimento, as restrições de segurança à exploração desses recursos naturais como um impedimento ao desenvolvimento. Só que não existe desenvolvimento com desequilíbrio social e ambiental. Então é assim: temos ouro, alumínio, ferro, agua, florestas, biodiversidade que não são valorizadas por nós, mas que são vendidas por nós como se fôssemos colônia", afirmou, oferecendo exemplos.

"Todo mundo vem aqui, explora matéria-prima, se beneficia e devolve caro para nós mesmos. Isso acontece com os nossos remédios, com o nosso patrimônio genético, com o nosso conhecimento tradicional. No exterior, o conhecimento tradicional de comunidades indígenas é patenteado, é registrado e vira remédio farmacêuticos que a gente tem que comprar depois. É um jogo perverso e que nós não estamos conseguindo vencer infelizmente", comentou.

Rejeitos do maior mineroduto do mundo

O rompimento da tubulação da Anglo American em Santo Antônio do Grama levou o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) a abrir uma ação civil pública para apurar as causas e responsabilidade no desastre ambiental. Os promotores já pediram à Justiça o bloqueio de pelo menos R$ 10 milhões da companhia, para eventuais coberturas de danos.

Na manhã de terça-feira, técnicos da Secretaria de Estado e Meio Ambiente (Semad) fizeram um sobrevoo sobre a região e verificaram que materiais pesados ficaram sedimentados sobre o leito do Ribeirão Santo Antônio, que passa pela cidade, e uma camada mais fina de rejeitos se encontrava no leito do Rio Casca, diluída na água.

"Medidas administrativas estão sendo determinadas para cessar o vazamento, manter o monitoramento da situação e garantir o abastecimento de água à população", informou a Semad em um comunicado. A Anglo American forneceu caminhões-pipa para auxiliar no fornecimento de água para a população local, e o abastecimento começou a ser retomado nesta quarta-feira.

Em nota, a Anglo American enfatizou as obras e iniciativas que a empresa encampou para auxiliar as autoridades no fornecimento de água à população – mais de 4.000 pessoas foram afetadas. Contudo, o MP-MG quer mais da empresa: que o vazamento seja contido e a contenção e retirada dos rejeitos tenha início em até 72 horas. Os promotores ainda querem que a mineradora repare integralmente o meio ambiente e a população local que foi prejudicada.


Apesar do vazamento de 300 toneladas de minério nos rios da região, a Anglo American garante que o material não é tóxico e que segue monitorando a qualidade da água. A tubulação de 529 quilômetros também passa pelo Rio de Janeiro e, segundo a mineradora, é a maior do mundo. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a empresa possui licença de operação válida até 2021 e, a princípio não será suspensa.

Apesar do cenário atual e das repetições de desastres envolvendo a mineração no Brasil, Malu Ribeiro está otimista para o futuro. "A perspectiva é muito otimista. É um ano eleitoral e, se a população e a sociedade acordarem, a gente renova esse Congresso e renova esse modelo de governo. Esse não é o modelo que a sociedade quer. Estamos passando o Brasil a limpo. A gente é muito otimista de perceber que o tempo desses caras está acabando", finalizou.

(Com Sputnik News)

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