Dez anos de Duelo de MCs

                                                                                     Pablo Bernardo / Indie BH


Rappers de BH envolvem 24 estados no maior evento de Hip Hop do país e servem de inspiração para a ocupação da cidade

Rafaella Dotta

Toda sexta à noite, um grupo ligava uma caixa de som e juntava rimadores na Praça da Estação. Era 2007. Ali começavam a acontecer batalhas de rap que reuniam poucas pessoas, umas 30, para fazer um concurso de rimas em que apenas um saía vencedor. Nasce daí um dos eventos de Hip Hop mais reconhecidos atualmente no país, o Duelo de MCs, e o grupo que o produz, o Família de Rua.

Douglas Din, morador da Vila Santana do Cafezal, no Aglomerado da Serra, tinha 16 anos quando conheceu o Duelo, que ainda estava no início. “Eu tinha um objetivo muito simples, que era me aliviar da atmosfera de violência que eu vivia na periferia. Quando eu vi as pessoas ali comecei a ampliar a minha noção de mundo”, diz.

O Duelo fez diferença no caminho de Douglas Din. Em 2011, ele gravou sua primeira música no CD “Som que vem das ruas” junto com outros 22 artistas, produção do Família de Rua, e venceu duas edições do Duelo de MCs Nacional, em 2012 e 2013. Até a avó dele, Marlene (para quem ele manda um beijo), entrou na roda para participar do clipe “Mestre Sem Cerimônia”, que narra o momento de preparação de um rapper para a noite de batalha.

O rap e as opressões

A coragem de fazer o rap de rua dá ao Duelo o título de “ícone da resistência popular e de ocupação da cidade”, nas palavras da MC e escritora Bárbara Sweet. Deu também visibilidade nacional a BH na área do freestyle (rima livre e improvisada). “O palco do viaduto é sagrado para todo mundo no Hip Hop. 

Encontro MCs em São Paulo, Curitiba, Teresina que me falam ‘meu sonho é rimar no Duelo’. Porque vê pelo Youtube um público muito atento e participativo. São poucas as batalhas no Brasil que têm essa magnitude”, avalia Barbara.

Sweet é uma das referências do Hip Hop na capital mineira. No Duelo, ela passou por batalhas pesadas, de teor machista, e estudou para inserir o feminismo nas suas rimas e na sua postura como artista. Hoje, ela destaca que a presença de mais mulheres, como Clara Lima, tem melhorado o ambiente das rimas. Ela elogia a baixa tolerância que a Família de Rua tem com preconceitos deste tipo, atitude que não é comum em outras batalhas pelo país.

Pedro Valentim, integrante do Família de Rua desde o início do coletivo, explica que as opressões se tornaram uma preocupação desde que as(os) MCs e público começaram a colocar questão. As próprias batalhas passaram a ser lugares para conscientização.

“Na cultura Hip Hop não cabe nenhum desses preconceitos. No palco os MCs têm liberdade de dizer o que querem, mas serão analisados. Toda vez que um MC se manifesta de maneira machista, homofóbica e racista, a gente se posiciona na sequência”, diz. Foram quatro gerações de rappers envolvidos e formados desta forma, conta Pedro Valentim.

Em 2012 o grupo Real da Rua, que reúne diversos grupos culturais atuantes no viaduto Santa Tereza, organizou uma pequena pesquisa em uma das edições do Duelo de MCs. Foram entrevistadas 153 pessoas e verificado que elas vinham de 92 bairros de BH e da Região Metropolitana. Para a psicanalista Joanna Ângelo Ladeira, integrante do Real da Rua, isso mostra o tamanho da referência que o Duelo construiu na cidade.

A ocupação “pegou”

Além do resultado para o movimento Hip Hop, o Duelo passou a ser também um exemplo de resistência urbana. O evento acontece em um palco de concreto já existente embaixo do Viaduto Santa Tereza, lugar de moradia de muitas pessoas em situação de rua, e a atitude de ocupar o local mexeu com a política da cidade. De um lado, boicotes do poder institucional; de outro, a juventude que passou a se inspirar e multiplicar a ação.

Joanna lembra que há dez anos a prática de ocupar o espaço público com cultura era bem menor em BH. “O Duelo deu mostras de que é possível proporcionar um encontro entre jovens dos mais variados lugares de forma pacífica. Isso tem uma grande influência no que a cidade passou a fazer, especialmente depois de 2013”, rememora. Durante os grandes protestos de junho daquele ano, o viaduto virou lugar de assembleias e reuniões políticas.

A antiga gestão da Prefeitura de Belo Horizonte parece percebido o fenômeno. A PBH realizou uma obra no local que durou dois anos e não tinha objetivos claros, segundo Joanna. Em dezembro de 2016, o ex-prefeito Marcio Lacerda (PSB) concedeu a algumas entidades o “direito real de uso” de quatro viadutos de BH, incluindo o Santa Tereza. 

Assim, a Central Única de Favelas (CUFA) passa a ser a administradora do local, com autorização para eventos privados e sem diálogo com grupos que ocupam o viaduto. O grupo Real da Rua continua realizando ações de questionamento à concessão.

Desde 2012 o Família de Rua organiza as edições anuais do Duelo de MCs Nacional, que este ano envolveu cerca de 2 mil MCs de 24 estados. Dezesseis MCs estão sendo eleitos através de seletivas estaduais ou regionais e batalham na grande final no Viaduto Santa Tereza, em BH. O evento, que já tem data marcada para este ano - 25 e 26 de novembro -, é considerado o de maior amplitude do país no Hip Hop e acontece sem nenhum recurso público.

Para Pedro Valentim, a falta de recursos não é uma novidade. Esta década de existência significou, dentre outras coisas, muito trabalho. “A equipe do Família de Rua nunca foi muito grande, ficamos durante muito tempo trabalhando com cinco, seis pessoas. Hoje somos menos, mas temos parceiros em todo o Brasil e arranjamos aí uma maneira de trabalhar”, explica.

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(Com o Brasil de Fato)

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