ELOGIO DO PROTESTO

                                                                           

 Martina Kaniuka (*) 

Na Argentina de Macri a violência das políticas antipopulares desencadeia o protesto popular. E avançam as tentativas para criminalizar o protesto e a acção de rua, com penas que poderão chegar aos 10 anos de prisão. Que pena seria adequada para uma política que empobrece e exclui a grande massa do povo?

Dizem os que protestam os protestos, que são muito viajados – embora não reconheçam a sua sorte - e que isto não se passa nos países do Primeiro Mundo. Não se passa nem em França, onde milhares de trabalhadores tomaram as ruas para protestar contra o ascenso de Macron e seus projectos de reformar ainda mais as leis laborais. 

Não se passa em Londres, onde outros tantos o fizeram pelas muitas dezenas de mortos que provocou o incêndio de um edifício de 120 habitações que deixou todos os seus habitantes sem lar; nem tão pouco se passa em Alemanha, Portugal e Espanha, onde centenas de milhares de pessoas se uniram contra a Troika e as políticas financeiras do Fundo Monetário Internacional (FMI) nos seus países.

Dizem os que protestam os protestos, que aqueles que se reuniram a protestar na avenida mais larga do mundo arremeteram contra um grupo de pobres polícias desvalidos que, vítimas da violência de gente que trazia paus e pedras, foram agredidos quando cumpriam o seu dever de cuidar o bem comum. Parece que os pobres atingidos não são responsáveis pelos mais de 300 casos anuais de gatilho fácil (em cada ano, segundo a CORREPI, desde 1983 com o regresso da democracia, foram assassinadas 4.960 pessoas pelo aparelho repressivo estatal, 47 por cento das quais vítimas de gatilho fácil).

Tão pouco o são no caso dos femicidios, em que um em cada cinco casos - uns 20 por cento - tem por autor um integrante das Forças de Segurança do Estado (mais de 60 por cento dos casos, segundo a CORREPI, de crimes sobre mulheres às mãos de forças de segurança são femicidios).

Dizem os que protestam os protestos que aqueles que se reuniram a protestar na avenida mais larga do mundo aí foram para espancar, para destruir canteiros, para violentar a ordem porque são vadios, não querem trabalhar e procuram formas de depender do Estado. Dizem que são gente que não trabalha porque não gosta de o fazer. 

Parece que foram eles quem antecipou a sua situação, embora já tivessem sido declarados knock out  com os 9,2 por cento de desemprego e uns 20 por cento de subemprego que o INDEC informa neste primeiro trimestre de 2017 - com cinquenta mil postos de trabalho perdidos só no mês de Abril, reconhecido pelo Ministro de Trabalho -; com a diminuição das pensões por incapacidade e viuvez, com o esvaziamento de todos os planos sociais e de todos os programas de contenção para os sectores mais vulneráveis, com uma baixa do consumo interno que supera os 20 por cento anuais e uma inflação sem controlo que esmaga, no supermercado, o bolso trabalhador.

Dizem os que protestam os protestos que a repressão é boa e que faz parte da democracia, porque têm direito à livre circulação. Em termos constitucionais relativos aos piquetes: os direitos daqueles que decidem participar devem ser descritos como exercício do direito de liberdade de expressão, artigos 14º e 19º, respectivamente, da Constituição federal; acrescentar também: associação com fins sociais, de trabalhar, de reunião e petição porque, também, o protesto pode incluir as referidas componentes. Comummente, o desenvolvimento do protesto de rua contraria, em idêntico tempo e semelhante espaço, o direito de liberdade dos cidadãos que não participam no evento – mas que necessitam ou devem passar pela zona bloqueada de forma transitória e parcial - que resultaría prejudicado; embora, em rigor, o direito de todos os habitantes de transitar pelas vias e caminhos (art.º 14 da Constituição) seja em geral o direito constitucional mais afectado.

Assim, os que protestam e os que protestam os protestos convivem na margem do longo caminho que falta para que se cumpram os seus direitos: uns, porque atingiram os direitos que possibilitam cumprir as suas necessidades mais básicas; outros, porque preferem a intolerância à luta que lhes garantiu esses direitos que hoje têm, e que não foram ganhos com o “diálogo”.

O que esquecem os que protestam os protestos é que se protestam os que protestam não é por gosto. Nas margens da sociedade, oprimem-se com espanto os que surgem como notas marginais na lista de tarefas de um Estado que as encabeça com as directivas do grande capital.

Na Argentina há 1.185 multimilionários, cuja fortuna representa 0,5 vezes o investimento do Estado na educação e equivale a 26 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Para aqueles que têm os rendimentos mais baixos conseguirem obter os rendimentos mensais de um dos capitalistas em questão, deveriam trabalhar 189 anos e cinco meses, enquanto a um multimilionário bastam 20 minutos para obter o que eles conseguem num. Esse lucro do multimilionário representa 429 vezes o que ganha um pobre na Argentina.

A repressão não enquanto resposta sangrenta do capital à resistência dos povos contra este sistema que humilha, estrangula e espreme. O Estado é um aparelho burguês, que a toda a largura do mundo exerce o monopólio do exercício da violência. Quando os que detêm os fios do poder fazem perigar e avassalam os direitos adquiridos em outras lutas o más lógico seria abraçar o protesto. Se foram danificados os canteiros e as montras da avenida mais larga do mundo, haveria que perguntar porque é que aquilo que não é destruído são as estruturas que sustentam este sistema que exclui, que cada dia deixa de fora milhões de pessoas.

Entretanto, e com tais projectos para criminalizar o protesto com até 10 anos de prisão, deveríamos quotidianamente fazer um elogio do protesto, da reivindicação daqueles que também crêem numa sociedade melhor, mesmo para os que protestam os protestos.

(*) Socióloga argentina

http://elfurgon.com.ar/2017/07/05/elogio-de-la-protesta/

(Com odiario.info)

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