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Para advogados, Ministério Público paga
qualquer preço por delações premiadas


Brenno Grillo

O dia 17 de maio parece distante, mas nesta quarta-feira (24/5) ele terá acontecido há uma semana. Portanto, há sete dias o Brasil discute os termos e o conteúdo da delação premiada dos donos e executivos do Grupo J&F, dono do frigorífico JBS. Como parte do acordo, foi apresentada a gravação de uma conversa com o presidente Michel Temer em que Joesley Batista, dono da empresa, relata o cometimento de diversos crimes.

Na quarta-feira passada, o Brasil foi virado do avesso. O dólar valorizou 8,06% frente ao real. No dia seguinte, a bolsa de valores de São Paulo teve de suspender suas atividades por alguns minutos devido a desvalorização superior a 10%. De lá para cá, foram protocolados oito pedidos de impeachment de Michel Temer e há pelo menos um, do Conselho Federal da OAB, que está para ser enviado à Câmara dos Deputados.


Para advogados consultados pela ConJur, esse acordo com os irmãos Batista só demonstra uma coisa: A PGR está disposta a tudo para fazer delações premiadas e obter o máximo de informações que puder.

Temer é acusado de incentivar o pagamento de R$ 500 mil ao ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para que ele não fizesse acordo de delação. Na conversa gravada, Joesley conta para Temer como tem feito para "dar conta" dos processos que correm contra ele na Justiça Federal.

Ele também relata ao presidente como fez para "segurar" dois juízes substitutos, diz ainda que há um procurador que "passa informação" e que negocia com outro "lá da força-tarefa". Todas essas informações foram consideradas essenciais pela Procuradoria-Geral da República, que, em troca, permitiu que os delatores não pudessem ser presos, tivessem a punibilidade extinta e não pediu qualquer tipo de monitoramento eletrônico.

O ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Leonardo Sica, afirma que o MPF tem feito isso em troca de seu protagonismo. Ele acha preocupante "quando o Ministério Público negocia delações com base na própria conveniência, e não na da lei".

Essa mesma opinião é partilhada pelo criminalista Fernando Hideo Lacerda. “Aparentemente o Ministério Público está aceitando delação a qualquer custo, e desde o começo da operação, atendendo a interesses discricionários de um ou poucas pessoas”, opina o advogado.

O advogado César Augusto Vilela Rezende diz que o “Ministério Público tem agido à margem da lei há muito tempo” e que essa situação envolvendo a JBS apenas “mostra que o MPF se considera acima da lei”.

“Gostaria muito que a legislação modernizada que o Brasil pretende atingir responsabilize pessoalmente o autor de atos ilegais com o abuso de autoridade”, diz Rezende, destacando ainda que é justamente nesses casos que é necessária uma lei que responsabilize servidores por excessos.

“Em uma democracia com regras de accountability, Rodrigo Janot poderia ser responsabilizado, mas na nossa não”, complementa Leonardo Sica.

Ilegais desde o princípio

Para Hideo Lacerda, o acordo entre os irmãos Batista, os executivos da JBS e as autoridades foi "precipitado e muito generoso”. “É complicadíssimo favorecer tanto alguém em uma delação porque você não sabe aonde isso vai dar, muito menos precisar as consequências”, ressalta.

Segundo o criminalista, a maioria das delações que deram origem à operação “lava jato” são ilegais. “É difícil encontrar alguma delação que tenha sido de acordo com Lei 12.850”, diz, citando o exemplo da primeira de todas: a que envolveu o doleiro Alberto Yousseff.

Nesse acordo foi instituída um comissão para analisar o caso e as condições. Para o advogado, a ilegalidade já parte daí, pois não há previsão legal para esse tipo de “curadoria delacional”.

“Todas as outras, que estabeleceram regimes de pena diferenciados, que não existem na legislação, são benefícios extralegais, que não estão na legislação, ou seja, ilegais”, afirma.

Voltando à delação dos irmãos Batista, Hideo Lacerda destaca que o responsável pela delação foi um advogado que deixou a PGR pouco tempo antes de assumir essa empreitada. “É uma crise ética sem precedentes.”

Necessidade de regulamentação

O criminalista Fernando Augusto Fernandes sugere a criação de um "devido processo delacional". A ideia é estabelecer regras claras que evitem a concessão de benefícios em excesso. “Não é possível o Ministério Público negociar delações, e depois negociar delator com delatado. Ao fim, se cria uma distorção completa na proporcionalidade da pena. É preciso terminar com essa liberdade absoluta de negociação.”

O advogado e ex-procurador de Justiça Roberto Tardelli explica que a delação deve ser vista sempre com muita cautela, pois a essência do instituto é ruim. “Ela permite que você se aproxime demais do canalha”, diz.

Ele afirma que a banalização da delação premiada, por seu uso indiscriminado, chegou a tal ponto que se tornou “um jogo de esperteza”, onde o premiado é o “canalha”. “Joaquim Silvério dos Reis é um herói. Ele fez delação premiada”, brinca.

Segundo o ex-procurador, essa inversão de valores faz com que se perca a noção de justiça, tornando-a banal. “Meu medo é que as pessoas que colhem essas delações percam o rumo do que estão fazendo. É muito fácil perder o rumo. A ditadura mostra isso.”

“Todas essas questões estabelecidas pela lei, em um futuro próximo, serão rebatidas com argumentos como ‘não são questões estruturais’, ‘não são nulidades absolutas, são nulidades relativas, porque o que importa é o teor da veracidade’. São as mesmas barbaridades que ouvíamos quando se trata de prova de indício de tortura”, alerta Tardelli.

Delação soviética

Roberto Tardelli compara o método dos procuradores da República com as delações ao que foi feito durante o período mais duro de ditadura da União Soviética. “Aqueles que usam a operação mãos limpas como exemplo de delação são uns idiotas, porque isso já tinha sido feito no período de Stalin. Ele angariou poder com base na delação premiada. Só que ele fez com que todo russo tivesse medo do cidadão ao lado. O seu amigo de hoje é o delator de amanhã”, analisa.

Tardelli reforça ainda que o resultado desse período policialesco na União Soviética foi uma uma sociedade alcoólatra e depressiva. “Atualmente, não temos mais um processo penal, mas sim um processo acusatório.”

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, hoje advogado, acredita na importância da delação como mecanismo de investigação. Critica o uso feito dela pelos órgãos de investigação e acusação.

“As pessoas julgam pelas delações, reputações são destruídas por delações. Vamos investigar tudo o que está lá, e, ao final, se avalia. Já vimos que alguns delatores falaram a verdade, outros omitiram e uns mentiram”, pondera Cardozo.

(Com a ConJur)

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