Trump mora ao lado

                                                                             Ramsés/Rebelión

Trumpnização do Brasil é derrota
anunciada da democracia

João Paulo Cunha (*)

Muita gente tem acompanhado de forma perplexa a campanha do candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump. Há uma dissonância que afeta todos aqueles que sempre fizeram questão de enaltecer as qualidades democráticas dos cidadãos do Norte. Afinal de contas, na terra das oportunidades e da meritocracia, como é possível o surgimento de um ogro entre os principais candidatos ao mais alto cargo da nação? A resposta é simples: Trump não é um desvio, é uma das vias pela qual trafega a América. A Rota Trump é tão estadunidense como a Rota 66.

O candidato carrega com ele algumas das mais destacadas características do americano médio. Em sua figura humana e projetos políticos se somam elementos fortes da cultura do país. Todos conhecem o lado bom, vamos ao dark side: Trump é machista, homofóbico, elitista, xenófobo e uma série de outras características identificadas com o pensamento reacionário e o comportamento avesso à diversidade. São atitudes que dificilmente surgem de maneira franca, mas que no caso de Trump parecem indicar uma reviravolta na escala de valores da humanidade. Ele, e seus seguidores cada vez mais assumidos, parecem se orgulhar de serem detestáveis. Os canalhas perderam o constrangimento.

Sem entrar nos detalhes da campanha do candidato republicano, é possível ver nas grandes linhas de suas propostas, afora o ultraliberalismo sem limites e o autoritarismo de origem, a vocação militarista, o uso da força para manter uma situação de desiquilíbrio internacional, a pressão econômica para impedir a harmonia dos mercados. Além disso, seu comportamento exibe o desprezo pela diferença, a intolerância religiosa e um conjunto de propósitos que atentam contra padrões seculares no campo dos direitos humanos. Trump também tem problemas com mulheres. Mas vamos deixar Freud em paz.

Desagregador em termos sociais, tóxico em economia e reacionário em política, Trump é o exemplo do recrudescimento de atitudes que estiveram na origem do surgimento de regimes fascistas. Não se trata de comparação, metáfora ou interpretação, mas da explicitação de um projeto. Que essas vertentes venham ganhando a aprovação de parte significativa da nação americana é um duplo sinal de alerta. Em primeiro lugar, pelo que indica de regressividade numa democracia vigorosa, seguindo de perto a onda conservadora internacional; em segundo lugar, por permitir o extravasamento de parte da alma do país, que habitava recônditos em busca de expansão. Uma síntese complexa do que há de mais americano e antiamericano no país.

A eleição dos EUA é assunto importante para todo mundo. No entanto, na atual fase da crise brasileira, talvez o pleito nos interesse neste momento mais pelos aspectos simbólicos que reais. Não se trata tanto da vitória de democratas ou republicanos, de resto tão semelhantes, mas da emergência de uma onda de forte reacionarismo em todas as áreas, das relações humanas às definições políticas no sentido mais amplo. Um efeito devastador está aos poucos tomando conta do país. Assim como o pecado, Trump também mora ao lado. Basta virar o rosto para ver seu topete balançando e esparzindo blasfêmia contra a democracia e os direitos de toda natureza.

A trumpnização do Brasil já é uma derrota anunciada em nossa jovem democracia, antes mesmo do resultado da disputa americana se consolidar. Por aqui, o homem que se jacta em demitir sem dó e cortar direitos sem piedade; agredir mulheres pelo prazer sexista de macho alfa em crise de idade; e propor muros sociais para aprofundar a desigualdade, já é uma espécie de totem invejado. Os EUA nos ensinaram com a arte da propaganda o desvitalizado comportamento emulador do consumista compulsivo. Acabamos assim por aprender não apenas a invejar, mas a copiar tudo que vem do lado de cima do Rio Grande. Inclusive o que eles têm de pior.

(*) João Paulo Cunha é colunista do "Brasil de Fato" e presidente do BDMG Cultural. Conheci-o quando editor de Cultura do Estado de Minas. Na época eu era editor de Internacional do Diário da 
Tarde e estacionávamos no mesmo local, na avenida Getúlio Vargas, sede dos dois jornais. Uma bela noite desço para a garagem eele estava às voltas com  o carro com o pneu furado. Fui então em seu socorro, já com as ferramentas em punho...De lá para cá nunca voltamos a nos encontrar...Mas é minha leitura predileta todas as vezes em que ocupa o canto esquerdo do BF,

(Com o Brasil de Fato)

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