O grande negócio por detrás do óleo de palma (azeite de dendê)

                             

 Ana Álvarez    


Cada cultura em que o agronegócio capitalista investe obtém chorudos lucros. Em regra, à custa não só da exploração do trabalho mas da devastação ambiental. O pouco conhecido processo da cultura da palmeira oleaginosa ilustra esse processo: o lucro obtido tem o preço da deflorestação, da exaustão do solo, da ruína e sujeição do campesinato na América Latina, na Ásia, em África.

Consomes óleo de palma todos os dias, mas é provável que nunca o tenhas visto fisicamente. Nem saibas que detrás de este produto há uma história de deflorestação, deslocação de populações, exploração laboral, investimento de fundos públicos e grandes lucros para uns poucos. O projecto de investigação do colectivo de jornalistas Carro de Combate põe a descoberto tudo o que há detrás deste líquido vermelho.

“Parecia-nos muito interessante falar do óleo de palma porque é um produto acerca do qual a população em geral tem pouca informação. Parece que não o consumimos”, explica Aurora Moreno, uma das autoras da investigação. Foi em resultado de uma mudança na regulamentação europeia de etiquetagem que este produto se tornou mais visível. 

“Até há pouco podia colocar-se na lista de ingredientes simplesmente óleo vegetal. Agora têm que colocar que tipo de óleo utilizam. Por isso pensamos que era um momento muito oportuno, porque muitos consumidores iam dar-se conta de que o óleo de palma está em todo o lado”, explicam os Carro de Combate.

O primeiro aspecto que surpreende é descobrir que metade dos produtos processados que consumimos contêm óleo de palma. Encontramo-lo nas bolachas, chocolates, bolos, doces, margarina e sopas embaladas, por exemplo. Mas também está presente em produtos de higiene como champô, gel ou pasta de dentes, e a partir dele pode produzir-se biodiesel. 

Isto pode dar-nos uma ideia da importância que essa matéria-prima alcançou na economia mundial. “Está muito distante de nós, porque não se produz nas zonas onde vivemos e, entretanto, consumimo-lo massivamente”, destacam as investigadoras.

Mas ¿porquê óleo de palma e não outro? Há 30 anos produzia-se apenas um milhão e meio de toneladas, e hoje em dia é o óleo mais consumido do mundo, com um terço da produção mundial. O cultivo de palma não só é simples como tem um rendimento por hectare muito mais elevado do que outras plantas produtoras de óleo, explicam. 

Para além disso, nos países em desenvolvimento era mais fácil e barato continuar a ampliar as suas culturas em florestas virgens do que melhorar a produtividade dos terrenos já cultivados. Por isso a expansão da palma oleaginosa deu-se à custa de florestas de alto valor ecológico, pois ambos necessitam das mesmas condições climáticas para existir. “A devastação foi imensa em países como Indonésia e Malásia, que controlam, hoje em dia, 86% da produção mundial”, apontam.

A investigação de Carro de Combate levou Nazaret Castro, Laura Villadiego e Aurora Moreno a fazer a pista de plantações de palma não só na Asia mas também na América Latina e África, para descobrir os impactos desta monocultura. Agora apresentam-nos.

Incêndios e escravos

No sudeste asiático, o cultivo da palma relaciona-se com a deflorestação, os incêndios massivos, as inundações e os problemas de abastecimento de água. “A Indonésia ultrapassou em 2012 o Brasil na rapidez com que perde as suas florestas e tem agora a taxa de deflorestação mais elevada do mundo”, indicam. 1,7 milhões de hectares foram arrasados em 2015 por fogos que se repetem cada ano. 

“Queimar o solo é a forma mais rápida de o limpar. Por isso a utilizam”, explica Laura Villadiego. E por este motivo a Indonésia é, também, a terceira emissora mundial de gases de efeito de estufa, atrás apenas de Estados Unidos e Brasil.

Quanto à Malásia, o grande drama tem o rosto de trabalhadores migrantes: “Na maior parte são da Indonésia. Trabalham em situações muito próximas da escravatura. Geralmente, estas grandes plantações têm no meio uma pequena povoação em que vivem. E em muitos casos não podem sair daí, estão literalmente retidos, e para se assegurar que assim é confiscam-lhes os passaportes”, explica Villadiego. 

No caso da Malásia, estes trabalhadores migrantes não têm direito de se casar ou de se registar legalmente. Geralmente, passados 10, 15, 20 anos acabam tendo relações com mulheres locais. “Nasceu uma geração inteira de crianças apátridas que não podem ser reconhecidas legalmente, porque a legislação não o permite. Algumas estimativas falam inclusivamente de 50.000 crianças sem nacionalidade por esta questão”, denuncia.

Na América Latina, a Colômbia é o maior produtor, à frente de Equador. Nestes países, as plantações de palma foram potenciadas a partir do Estado, sendo a única cultura subvencionada. Não se tratando de uma produção tão competitiva nos mercados internacionais como a asiática, o que a indústria palmeira tentou foi criar mercados nacionais de agrocombustíveis, com um importante apoio governamental. 

“Foi publicitada a palma como alternativa às culturas ilícitas – coca e marijuana – quando na realidade não é assim. Onde se está plantando palma plantavam-se antes culturas para a alimentação local, como yuca, milho e árvores de fruto”, explica Castro.

Para além disso, esta cultura entrou em muitos casos pela mão de grupos paramilitares. “Na Colômbia, o auge da palma oleaginosa chegou pela via da brutal violência dos paramilitares, que, com total impunidade, semearam o terror em varias regiões do país em finais dos anos 90 e obrigaram povoações inteiras a deslocar-se em territórios como o Chocó ou Montes de Maria”, relata Castro. “Onde antes havia terras férteis para o cultivo de alimentos que conviviam em harmonia com a vegetação local, agora há só palma. Nesses territórios a palma é, mais que um lucrativo negócio – que também é –, um modelo para o controlo do território”, explicam no seu relatório.

Perda de autonomia

Em Equador, por seu lado, a palma está sendo promovida como alternativa de desenvolvimento para a selva amazónica. Mas, como denuncia Castro, “quando a palma entra, não só destrói a biodiversidade desse território, destrói também a capacidade dessas comunidades em poder desenvolver as suas formas de vida”. 

A palma necessita de muitos nutrientes e depois dela o solo fica destruído, “dificilmente se pode plantar depois alguma outra coisa”, destaca a investigadora. Com ela coincide Nathalia Bonilla, activista da organização Acción Ecológica em Equador: “Passados os 25 ou 30 anos que a planta permanece produtiva, os camponeses perderam a riqueza do seu solo e viram como se contaminavam as suas fontes hídricas ao mesmo tempo que perderam autonomia, porque o que antes podiam vender por si mesmos aos consumidores, agora só tem um comprador possível: a empresa palmeira a quem pertence a fábrica processadora”.

Em zonas com um grave problema de desemprego é simples convencer a população: “Esses investimentos chegam com o discurso de fomentar o desenvolvimento local e criar postos de trabalho, e assim as pessoas começam a encará-lo como uma forma de se desenvolver. Têm queixas, mas calam-nas; não há um discurso de resistência” , reconhece Castro.

Mas algo não encaixa, como explica o professor da Universidade Andina Carlos Larrea: “O bananal emprega dez vezes mais trabalhadores por hectare que a palma oleaginosa. Se o que se espera é que a palma seja a solução para o agudo problema do desemprego n[a região equatoriana de] Esmeraldas, a aposta parece equivocada”.

No caso de África, embora se trate do território originário da palma, as grandes plantações industriais começaram nos últimos dez anos. A produção concentra-se na zona ocidental, em países como Camarões. A indústria descobriu um território com grande potencial de crescimento, dado que ali encontram mão-de-obra barata, população que conhece como trabalhá-la e governos muito disponíveis.

Em contrapartida, “está havendo uma resposta bastante organizada, em Camarões pelo menos, de defensores do meio ambiente e de povos autóctones e protegidos, como os pigmeus”. Contra uma de las principais empresas francesas do sector, por exemplo, os seus trabalhadores organizaram-se em seis países e têm mantido reuniões em Paris com os dirigentes, explica Aurora Moreno.

Entre realidades tão distantes e a nossa realidade diária existe una conexão, e é a nossa cozinha. Os maiores compradores de óleo de palma do mundo são velhos conhecidos no nosso cabaz de compras: as multinacionais Nestlé e Unilever. “O que não nos faz bem não é o óleo de palma em si, mas essa falta de diversidade e essa manipulação dos alimentos. 

Alimentamo-nos com uns poucos ingredientes, porque são os mais rentáveis e mais manejáveis para a indústria”, insistem Carro de Combate. ¿Como fugir deles? A chave, para estas investigadoras, está em cozinhar mais e comprar menos alimentos processados. “Não digo que comprando alimentos frescos estes estejam isentos de problemas, mas seguramente vão ter menos”, afirmam. Em definitivo, cozinhar não deixa de ser um acto político mais.

Cooperação cúmplice do negócio

O crescimento meteórico da indústria palmeira foi impulsionado pelas agências de Cooperação para o Desenvolvimento de diversos países europeus, o Banco Mundial e muitos fundos de investimento, como o Fundo Africano para a Agricultura. Estas instituições deram apoio a supostos projectos de desenvolvimento relacionados com a palma. Assim sucedeu na ilha de Sumatra (Indonésia) ou na R. D. do Congo, onde una empresa financiada por organismos de cooperação europeus, entre os quais a AECID espanhola, foi acusada de usurpação de terras e exploração dos seus trabalhadores.

Fonte: http://www.diagonalperiodico.net/cuerpo/31516-gran-negocio-detras-del-aceite-palma.html

(Com o diario.info)

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