Empresas de telecomunicações no Brasil: mais uma prova da farsa desenvolvimentista. Entrevista com Gustavo Gindre

                                                                       

João Vitor Santos

O setor de telecomunicações brasileiro “demonstra de forma indiscutível” que o “Estado” tem sido “capturado pelos interesses do grande capital”, diz Gustavo Gindre à IHU On-Line, ao comentar a atual situação do setor e a crise da Oi, em entrevista que o Correio da Cidadania reproduz.

Segundo ele, os projetos de telecomunicações no país têm sido realizados “às expensas de patrimônio e recursos públicos”, porque “não houve nenhum critério republicano para a escolha dos empresários beneficiados e, principalmente, não havia qualquer tipo de contrapartida para o crescimento das empresas”, demonstrando que o projeto desenvolvimentista “não passa de uma farsa”.

Em resumo, diz, “não houve contrapartida para a ampliação da banda larga, para a geração de emprego e renda e para o desenvolvimento de ciência e tecnologia nacionais”. E questiona: “como pode ser desenvolvimentista um projeto que não visa desenvolver o país, mas apenas um seleto grupo de empresários?”

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Gindre analisa a crise da Oi, explica que ela é derivada de “três momentos históricos diferentes” e defende que a empresa “não pode falir”, mas, por outro lado, pontua, “ela tem sócios que se mostraram incapazes de gerir a empresa e que estão, inclusive, envolvidos nas investigações da Operação Lava Jato”.

O jornalista também comenta a tentativa das empresas de telecomunicações de alterarem a prestação de serviço de internet banda larga no país e explicita que, “em síntese, as empresas estão vendendo algo que não podem entregar porque não investiram para atender a demanda inevitavelmente crescente. Portanto, as operadoras precisam desesperadamente deter o consumo. (...)

Na prática, isso significa que a empresa vende uma conexão de, por exemplo, 20 Mbps, mas ela não espera que você use essa conexão o tempo todo. Se você optar por usar de fato aquilo que comprou, terá que pagar a mais. Assim, ela constrange o consumo e se desobriga de investir para atender a demanda crescente”.

Gustavo Gindre é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF), pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente, mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorando em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia pela mesma universidade. Foi membro eleito do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) por dois mandatos (2004-2007 e 2007-2010) e é integrante do Coletivo Intervozes.

Confira a entrevista.


Como compreender o caso da “falência” da Oi? Que questões de fundo emergem desse fato, desde perspectivas econômicas a políticas? E que reflexões suscita?

A crise atual da Oi é fruto de três momentos históricos diferentes. Primeiro, a sabotagem praticada ao modelo anterior, quando a Telebrás dava lucros, mas era impedida de investir na sua operação, porque os recursos eram confiscados para pagamento da dívida externa.

Segundo, o modelo de privatização que copiava uma decisão judicial norte-americana de 1982 e posteriormente sepultado por uma lei de 1996, porque fracassara. Ou seja, copiamos o que já tinha dado errado, optando por fracionar o país em pequenas partes, criando empresas fracas e incapazes de competir em um cenário de globalização. O modelo foi adotado no Brasil, às vésperas de uma eleição presidencial, levantando suspeitas de que o fracionamento visava agradar o maior número possível de empresas, aumentando o potencial de contribuições via caixa 2. Vale lembrar que o próprio Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, chamou os compradores de "telegang" e "rataiada".

Por fim, desde a privatização a Oi foi conduzida de forma extremamente temerária, com vários negócios que foram lesivos ao patrimônio da empresa, mas absolutamente vantajosos para seus acionistas controladores. Tudo isso sob a negligência do poder público.

Quais as saídas e qual imagina ser o papel do Estado na recuperação da Oi, a maior concessionária de telecomunicações do país?

A Oi hoje é a única operadora de telecomunicações em mais de três mil municípios. A empresa simplesmente não pode falir. Por outro lado, ela tem sócios que se mostraram incapazes de gerir a empresa e estão, inclusive, envolvidos nas investigações da Operação Lava Jato. Possui uma dívida impagável de mais de R$ 60 bilhões. E dispõe de uma infraestrutura ultrapassada que necessita de investimentos bilionários. Os únicos que irão se aproximar da empresa agora são fundos abutres, dispostos a ganhar com a crise, e empresários de péssima reputação.

Portanto, em primeiro lugar, é necessário mudar o marco regulatório para equalizar as obrigações. Da forma como está hoje, a Oi fica com praticamente todas as obrigações, permitindo que as gigantes America Movil (Embratel + Claro + NET), Telefonica de España (Vivo + GVT), Italia Telecom (TIM) e AT&T (Sky) atuem apenas nos mercados mais lucrativos. Sem uma solução desse problema, não há futuro para a Oi.

Por outro lado, há que se evitar a todo custo um calote nas dívidas da Oi com a União (impostos, multas, BNDES, BB, CEF etc.). Uma saída que vem sendo negociada com o governo é a mudança da legislação para permitir que a Oi venda 7.500 imóveis herdados com a privatização. Ocorre que, no modelo atual, esses imóveis devem ser devolvidos à União em 2.025. Para que a Oi possa alienar esse patrimônio será preciso que a União abra mão de tais imóveis. Ou seja, haveria uma simples transferência de recursos públicos para uma empresa privada na forma de patrimônio imobiliário. O risco é que a Oi seja salva através da utilização direta e indireta de recursos públicos, que as distorções atuais sejam mantidas e que lá na frente a empresa volte a se mostrar inviável.


Como pensa ser um modelo ideal de gestão de telecomunicações no país?

O primeiro passo é mudar o atual desequilíbrio entre uma empresa com praticamente todas as obrigações de universalização da telefonia fixa (Oi) e gigantes transnacionais que operam apenas nas áreas mais lucrativas do país.

Segundo, é preciso estender as obrigações de universalização para a banda larga. Muito mais do que o telefone fixo, é aí que repousam os objetivos estratégicos das telecomunicações no século 21. Garantir a universalização do acesso à Internet em banda larga deve ser o objetivo número 1 das políticas públicas do setor.

Por fim, garantir obrigações de compartilhamento de rede onde a competição na instalação de redes se mostrar economicamente inviável (caso de boa parte do território brasileiro). Este é um modelo que vem sendo tentado com sucesso em alguns países, notadamente no Reino Unido. Trata-se de garantir que a infraestrutura estará disponível para que outras empresas (especialmente pequenos provedores) possam usá-la a preços competitivos.

(Com o Correio da Cidadania)

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