Sem script, sem cronograma

                                                       

Alberto Dines em 25/06/2013 na edição 752

      
Quando começaram os protestos na Paulicéia, em 6 de junho, jornalões e revistões já haviam assumido publicamente que estavam em crise, cortavam páginas, cadernos, empregos. Quando o governador e o prefeito juntos, em Paris, denunciaram os primeiros distúrbios como vandalismo, os editorialistas e opinionistas ganharam um assunto e a polícia um pretexto para baixar o cacete.

Se o movimento pode ser intitulado como “Revolta Contra o Script e o Cronograma”, a mídia tem uma parcela de culpa: aceitou o jogo sem reclamar, foi na onda, submeteu-se ao ditado determinista das forças políticas majoritárias fixadas no calendário eleitoral. Cobria eventos sem detectar a impaciência que latejava ao lado. Não enxergava desdobramentos e impasses forjados pelo próprio noticiário. Contentava-se em mostrar a inflação com enquetes em supermercados. Dobrou-se aos custos exorbitantes das arenas esportivas porque o futebol não enriquece apenas os cartolas, também costuma carrear bons lucros para os cofres das empresas jornalísticas.

Distraída pelas próprias aflições, nossa imprensa não detectou os sinais irradiados pela rebelião turca, não prestou atenção nos indícios de que os pavios estavam novamente curtos e os barris de pólvora cada vez mais cheios.

Inexperiência ou irresponsabilidade?

A pandemia de protestos em 1968 não foi a única, ondas de revoltas são cíclicas, houve grandes sacolejos em 1979. As redes sociais não são as únicas detonadoras de insatisfações, mas graças a elas desde 2008 tornaram-se contínuas.

A perplexidade na noite da segunda-feira, 17 de junho, foi ampla e irrestrita: não desnorteou apenas governantes e políticos, também surpreendeu estrategistas, consultores, mídia e a formidável legião de acadêmicos. Aferrada às suas convicções, profundas teorias e interesses imediatos, a grande maioria desses observadores recusa-se ainda a olhar em outras direções. Doravante terão que admitir que são falíveis.

Quando o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto de Carvalho, responsabiliza diretamente a imprensa por insuflar o povo com um “moralismo despolitizado”, fica nítido o grau de atonia e aturdimento que domina a instância máxima do Executivo (Estado de S.Paulo, 22/6, pág. A-8; Folha de S.Paulo, idem, pág. C-3).

Mas quando um jornal com o prestígio e recursos da Folha publica em plena crise, numa edição dominical, uma manchete baseada em sondagem de rua com apenas 606 entrevistados e com ela tenta montar uma tendência dominante, então se percebe o esvaziamento das nossas redações ou, o pior, seu grau de inexperiência ou irresponsabilidade (“A maioria dos paulistanos defende mais atos nas ruas”, domingo, 23/6, pág.1).

Exuberância de recursos, vazio de sentidos

Um dos maiores movimentos políticos da nossa história foi acompanhado por uma televisão altamente equipada em matéria de tecnologia. Mas o suporte informativo, sobretudo nos estúdios e bancadas, apresentou enormes falhas. Também nas ilhas de edição e nas mesas de comando. Atropelos e equívocos eram tão evidentes que nem se pedia desculpas aos telespectadores ou “assinantes”.

Apresentadores viciados no uso do teleprompter (TP), quando obrigados a fazer relatos de improviso, deram seguidos vexames, muitos até mostravam desconhecer suas próprias cidades e ignorar fatos históricos relevantes. Âncoras de rádio, sentindo-se na obrigação de opinar sobre a transcendência do momento, cometeram incríveis barbaridades.

A depredação do palácio do Itamaraty – valioso museu de arte e um dos melhores projetos de Oscar Niemeyer em Brasília – não conseguiu emocionar nenhum dos narradores. Só no dia seguinte, e nos jornais.

É válido o recurso de convocar acadêmicos para contextualizar nos estúdios os acontecimentos exibidos nas telas, porém mantidos durante muito tempo longe dos acontecimentos das ruas, tornam-se repetitivos. Não merecem.

Para proteger suas equipes contra eventuais violências, a Rede Globo pode dar-se ao luxo de cobrir ao vivo, a partir de helicópteros, manifestações simultâneas em diversas capitais e durante longos períodos. Mas o material quente, de rua, teve que ser mostrado no dia seguinte. E misturado aos eventos correntes. Confusão total.

Reconheça-se: não temos experiência em coberturas tão tensas, intensas e traumáticas. E os profissionais mais habilitados, vividos, estão sendo despachados para suas casas. A garotada que os substitui não tem rodagem nem bagagem. Convém prepará-la – se não para repetições, pelo menos para valorizar o conteúdo do meio televisivo, o mais rico da comunicação contemporânea.(Com o Observatório da Imprensa)

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